4 de outubro de 2016

Domingos de Infância

O circo chegou, anunciava a grande tenda que aos poucos surgia na cidade. Domingo no circo era um passeio só meu com o meu pai. O feno no chão tinha cheiro de bicho, macio de pisar e incômodo quando entrava na sandália. A pipoca, vendida pelo atrapalhado palhaço-pipoqueiro, deixava a língua doce e colorida. A linda mulher, com sua roupa brilhante, nos recebia com um largo sorriso. A arquibancada dura convidava a sentar para voar junto com os trapezistas e mergulhar no mágico mundo do circo. Logo o show iria começar.

A lembrança do circo me faz viajar para os fins de semana de garimpo. A mina de Perus, que hoje em dia deu lugar ao Rodoanel em São Paulo, era palco de uma mina de pedras feias. O caminho tortuoso de pedras quebradas, soltas, prontas para torcer meu pé, era um grande desafio. Meu pai com suas passadas decididas e largas ia na frente, eu com minhas passadas curtas e inseguras me esforçava para segui-lo. Meu olhar registrava apenas cinza, o mundo parecia ter mudado de cor e o tempo não passava. Mas, de repente, lá estava ela: uma pedra vermelhinha! Não era linda, mas era diferente, era vermelha. E tinha nome científico, o que comprovava que era especial. Guardei com todo carinho. Depois de mais andar, de mais cair, de mais torcer os pés vimos uma outra preciosidade: uma pedra cinza como as outras, mas coberta por um fino pozinho amarelo. Parecia que alguém a tinha pintado com giz. Meu pai insistiu em levá-la. 

Chegando em casa, a pedra vermelhinha foi logo para a minha coleção, compondo o colorido da minha pequena estante de preciosidades. A cinza, feiosa, foi para a luz ultravioleta. Aquela que revela o que nossos olhos não veem. E não é que com a ajuda dessa luz o cinza brilhou um laranja fosforescente! Tão linda, que  foi para a coleção do meu pai. Lá está até hoje divertindo crianças que acham que ela não passa de um pedregulho, mas vibram de surpresa quando a luz ultravioleta revela aquele brilho que convida nossa imaginação a viajar para outros domingos da infância. Como o do mágico circo onde a linda mulher virava macaca e o atrapalhado palhaço-pipoqueiro se revelava talentoso equilibrista. Surpresas que só os despretensiosos passeios de domingo são capazes de revelar. 

13 de setembro de 2016

Árvore do Tempo

Junto àquela árvore vi o tempo passar, repetidas vezes. Era ela, na entrada do colégio, que me contava sobre o andar do ano. Nos primeiros dias de aula estava sempre verde, alegre, com energia para crescer. Aos poucos suas folhas iam ficando avermelhadas e caíam. As férias chegavam quando ela estava sem folhas. Seus galhos secos anunciavam a hora de descansar. No recomeço do semestre lá estava ela, com suas primeiras flores brotando, era novamente hora de aprender. E assim, os anos foram passando.

Agora, suas estações deixaram de marcar meu ano escolar e passaram a marcar a passagem da vida das minhas filhas para mim. As folhas  verdes são a promessa de um novo. As vermelhas anunciam que a minha Sofia ficará um ano mais velha e que aos poucos vai deixando a infância para trás. Tão rápido!? Os galhos secos me lembram que é hora de dar uma pausa nos meus compromissos e acompanhar de perto o crescimento delas nas férias de inverno. As flores anunciam que o aniversário da Helena está para chegar e que minha pequena ficará uma primavera mais velha.


Em um país sem estações é fácil em meio à mesmice da rotina não perceber o tempo passar. Mas, é essa árvore, bem na entrada do colégio, que todos os dias sussurra que a vida passa, em ciclos.

8 de setembro de 2016

Simbiose

A menina teimosa, que desafia, questiona, fala sem parar. Esta sou eu criança. Quero provar que tenho razão, quero justiça, tirar conclusões, construir verdades. A outra, é minha mãe. Cabeça cheia do que fazer, sem disposição para tanto pensar, tanto argumentar, tanto imaginar, tanto responder.  Mas eu insisto, quero saber, quero imaginar, quero diferente, quero agora. Ela perde a paciência e briga comigo como se fosse criança. Quem é mesmo ela? Ah, agora  sou eu! E a criança teimosa? Esta não é mais eu, agora é minha filha. Não quer comer, não quer arrumar os brinquedos, não quer estudar. Só quer imaginar, pensar, falar, criar verdades. “Né, mamãe, né mamãe?” pergunta ela sem parar. Minha cabeça cansa, perco paciência, brigo com ela como se fosse criança.  

19 de agosto de 2014

Pérolas da Helena

As descobertas do mundo sob o ponto de vista dos dois anos e meio de vida da Helena são irresistíveis. É preciso escrever, para nunca esquecer. 

_______________________________

Anjinhas 

No carro, a Sofia (irmã mais velha da Helena) pergunta: 

- Mamãe, quando você conheceu o papai a gente não existia? 

A Helena responde antes de mim: 

- A gente tava no céu esperando a hora de nascer. De bóia, pra não cair da núvem.


________________________________

Padre

Helena no espaço Catavento Cultural (museu de ciências) olhando o biólogo dar explicações sobre a evolução do macaco ao homem. Ela não parava de falar. Então eu pedi: 

- Helena, fica quietinha porque o moço está falando. 

Helena pergunta:

- Ele é o padre, mamãe? 

________________________________


Homônimos

Helena na hora do jantar, apontando para o filé de peixe:

- Esse também chama peixe? Igual aquele animal que nada no mar? 

________________________________


Lobo Mau

Eu entro no quarto da Helena. Meio dormindo, meio acordada, ela levanta a cabeça e pergunta:

- Quem é que tá aí? 

Eu respondo: 

- É a mamãe.

Ela deita de novo dizendo:

- Achei que era o lobo mau. 

E dorme.

_________________________________

Neymar

Helena (vendo o pai velejar):

- Adoro o meu papai, ele é o melhor velejador de todos!

Respondo: 

- Também adoro o meu pai e também tenho muito orgulho dele.

Helena pergunta: 

- Quem é o seu papai? É o Neymar? 


14 de fevereiro de 2013

Escrever para não esquecer

Helena, 

Tenho o privilégio de passar muito tempo com você. É sempre uma delícia, mas existem alguns momentos em que tudo parece conspirar para torná-lo sublime.

Hoje tivemos um destes momentos. Levei você para passear na praia durante um final de tarde digno de cartão postal. 

Primeiro estava inquieta e incomodada. Eu demorei para entender que você queria empurrar o seu próprio carrinho de passeio, segurando "como a mamãe segura". Inclinei o carrinho e você ficou  "passeando" uma concha. Estava realizada com a sua conquista e não parava de sorrir. Vira e mexe, parava para checar se a "concha estava bem". 

Quando cansou de empurrar o carrinho, sentamos na areia e começamos a descobrir o que a maré tinha trazido. Conchinhas, garras de siri, pedaços de pau, palito de sorvete. Cada coisa uma nova descoberta, uma nova brincadeira. 

Lá pelas tantas você ficou de pé, apoiada em mim, e fez a minha brincadeira preferida: se escondia atrás de mim e colocava o seu rostinho cada vez de um lado dizendo "achooo". Toda vez que os nossos olhos se cruzavam, eu ficava impressionada com a beleza do seu olhar. Os cílios que movem o ar, a expressão alegre, cheia de vida. É de parar o coração! 

Depois do esconde-esconde fomos dar um mergulho no mar, já com as núvens típicas das chuvas de verão se formando sobre nós. Você, cansada, começou a se aconchegar no meu colo. O rostinho encaixado no meu ombro e a mãozinha no meu pescoço, uma delícia. Mesmo molinha, você não deixou de gargalhar quando a onda vinha, eu mergulhava e passava você por cima. 

Estávamos unidas como se fossemos uma só e totalmente conectadas  com toda aquela natureza ao nosso redor. Neste momento entendi que assim como o mar, as ilhas, o céu, você é uma obra perfeita da natureza. Aproveitei o momento para pedir que você continue sempre assim: saudável e feliz. 

Quando as primeiras gotas de chuva começaram a cair e os primeiros raios começaram a tocar o horizonte, saímos do mar renovadas. 

Mais tarde, comecei a relembrar cada detalhe desse nosso momento, tentado achar alguma gaveta livre na minha memória para guardá-lo. Mas memória não é o meu ponto forte e a minha vive me traindo. Sei que os sentimentos bons daquele momento ficarão registrados no nosso inconsciente e nos ajudarão a sermos pessoas mais felizes a termos relações mais fortes. Mas eu quero mais, quero poder lembrar de cada detalhe. Por isso, resolvi escrever, para um dia poder reler junto com você e reviver o gostinho de cada instante desta tarde de verão. 

Que venham muitas outras! 




17 de janeiro de 2013

10 coisas que eu não sentirei saudades quando vocês crescerem

Vivo escrevendo sobre como vou sentir saudades das minhas pequenas quando elas crescerem.  Mas hoje me deu vontade de registrar aquelas coisas das quais eu não vou sentir saudades. Assim, quem sabe daqui há alguns anos, quando eu for reler esta lista, vou sentir uma pontinha de alívio para compensar a saudades. 

Sofia e Helena, quando vocês crescerem eu não vou sentir saudades de: 

1. vocês duas gritando e chorando ao mesmo tempo 
2. ir à praia e voltar parecendo um croquete à milaneza de areia
3. morrer de remorso só porque tirei uma tarde livre para mim
4. quando agarram na minha perna e puxam a minha roupa pedindo colo
5. dar comida. Na maioria das vezes vocês cospem, sujam tudo e não comem nenhuma colherada
6. não conseguir falar no telefone sem alguém gritar e puxar o aparelho da minha mão
7. pedir mil vezes a mesma coisa e nunca ser ouvida
8. quando eu deixo dormir na minha cama e me chutam a noite inteira
9. dormir com os "ouvidos acordados" 
10. cada viagem parecer uma mudança

31 de dezembro de 2012

Pinte os Clássicos: para avós e netos brincarem juntos


O post de hoje foi inspirado no meu grande amigo Paulo Levi, um grande expert em automóveis e autor do blog adverdriving.blogspot.com.br


A dica é o livro Pinte os Clássicos, que traz uma coletânea de 25 carros nacionais que deixaram marca em nossa história para serem coloridos.  As ilustrações foram feitas pelo ilustrador Maurício Morais, um dos maiores artistas automotivos hoje no Brasil, e são verdadeiras obras de arte. O livro é impresso de maneira quase artesanal, em papel de alta qualidade, dando um charme extra para a brincadeira.

Quando o Paulo descobriu o livro, logo lembrou da YOUandME e me ligou dizendo que tinha descoberto uma atividade que os avôs adorariam fazer com seus netos. Uma ativiade que além de fortalecer o vínculo afetivo entre avôs e seus netos (netas também, claro!), ainda traz boas recordações e é uma maneira muito divertida de ensinar aos pequenos um pouco sobre a nossa cultura automobilística.

Achei a ideia uma grande oportunidade para todos aqueles que amam automóveis poderem  relembrar, brincar, pintar, se divertir, aprender e, principalmente, fortalecer o vínculo entre gerações.


Para tirar ainda mais proveito dessa experiência, por que não destacar a ilustração colorida por vocês e emoldurar? Além de decorar a parede, será uma linda recordação de um momento para lá de especial. 

Obrigada pela dica, 
Paulo Levi! 

O livro pode ser adquirido diretamente com o autor Maurício Morais: 
mau917@gmail.com ou mauriciomorais.blogspot.com.br


Para quem quiser saber mais, sugiro que leiam o post do Paulo: 

http://adverdriving.blogspot.com.br/2012/12/pintou-na-caixa-do-correio.html



23 de outubro de 2012

Teatro de Sombras

Quero compartilhar uma brincadeira que adoro fazer em casa com a minha Sofia de 4 anos. É o "teatro de sombras".  

Vocês vão precisar de: 

- 1 lanterna
- 1 quarto relativamente escuro
- 1 parede ou porta de armário 

A brincadeira é muito simples: basta escurecer o quarto e iluminar objetos com a lanterna, criando projeções na parede ou na porta do armário. 

A brincadeira pode ter variações. É possível criar sombras com as mãos mas também dá para usar objetos. Uma dica é recortar formas - como um boneco, por exemplo - e colar essas formas em um palito de churrasco. Assim, é possível até mesmo fazer teatro e inventar histórias. 

Outra dica legal é pedir para a criança ser o "boneco", enquanto você ilumina  com a lanterna.  Incentive seu filho (ou melhor, a sombra dele) a interagir com a sobra da sua mão ou do objeto escolhido por vocês e não deixe de mostrar como a sombra dele fica menor quando ele está  longe do foco de luz da lanterna e maior quando ele está bem pertinho. Nós adoramos brincar que ora a Sofia é uma "mini Sofia" e hora ela é uma "gigante Sofia". 

Enfim, a brincadeira pode ter mil formas, enredos e aprendizados. Basta deixar a imaginação rolar solta. 


Divirtam-se! 


10 de setembro de 2012

Carta para a minha Avó



Dita,

Estamos há 7 dias sem você e a saudades só parece crescer. 

Sabe, 90 anos é uma vida longa. E a sua, além de longa foi muito linda e feliz. Mas isso não parece servir de consolo e não está ajudando a cicatrizar a saudades que você deixou dentro de mim. Sinto tanta vontade de te pedir: “fica só mais um pouquinho...”.

Já sinto tanta falta de você e das tardes em família na sua casa. Tinham gostinho de infância. O quarto de brincar ainda com os mesmos brinquedos de quando éramos pequenos. As risadas com os primos que me faziam relembrar tantos Natais, aniversários e viagens juntos. Mesmo tendo 32 anos, Dita, quando eu ia na sua casa, eu me sentia um pouco criança, um pouco adolescente.

Mas sei que você não aprovaria esse chororô. É preciso seguir, é preciso crescer. É hora de preencher o vazio que você deixou com uma promessa: vou ensinar a minhas filhas tudo aquilo que aprendi com você.

Vou ensiná-las o valor da família, a importância de amar o próximo a serem justas sempre. E, acima de tudo, quero ensinar a nossa Sofia e a nossa  Helena a olharem a vida de uma maneira positiva. Quero que elas, assim como você, sejam mulheres fortes e determinadas. Capazes pintar suas próprias vidas com as cores da felicidade.

Porque assim, Dita, eu terei a certeza de que um pouquinho de você vive dentro de cada uma delas.  

Obrigada por tudo. Te amo. 


29 de agosto de 2012

Amamentar



Helena,


Queria te agradecer por ter tido a oportunidade de te amamentar nove meses.  Sabe, amamentar não depende só da boa vontade e do empenho da mãe, como dizem por aí. Depende muito do bebê. E você que é uma menininha que suga com vontade, não dorme, não enrola e adora um leitinho.

Provavelmente, meu amor, não terei mais filhos. Seremos eu, você, sua irmã e o seu pai. Essa é a nossa família. Já nos sentimos completos e muito abençoados. Por isso, o seu presente foi ainda mais importante para mim. Nunca vou me esquecer de você encaixadinha nos meus braços , daquele olhar delicioso e, claro, de você mamando, mamando e mamando. Também vou morrer de saudades de tirar aquela soneca pós-mamada, "escondidas" na paz do seu quarto.

Exatamente por saber o quão valioso foi este presente que eu ganhei, sempre tive muito medo do momento em que ele teria que terminar. A ideia de nunca mais te amamentar parecia algo muito doloroso para mim e eu temia que para você também seria. 

Mas, na semana passada eu e você pegamos nossa primeira gripe desde o seu nascimento. Eu fiquei mais fraca e cansada. Você, com o narizinho entupido, não conseguia e nem queria mais mamar no peito. Conforme os dias foram passando, meu leite foi secando. Afinal, a bombinha de tirar leite não chega aos pés da sua eficiência. Agora a gripe melhorou, e você até tentou voltar a mamar no peito. Sugou, esperou, sugou... e nada. Para minha surpresa, você parou de tentar, olhou para mim e  começou a rir. Em seguida, mamou feliz na mamadeira. 

Eu é que sou sua mãe, mas foi você quem me ajudou a superar o desmame. Você encarou com o seu bom humor  de sempre, sem choro, sem tempo ruim. Você não imagina como isso me ajudou. E, para a minha grande surpresa, diante de tanta alegria eu não fiquei triste. O seu sorriso trouxe pensamentos bons. Senti que essa foi apenas uma de inúmeras experiências maravilhosas que teremos juntas. Fiquei imaginando tudo o que ainda está por vir. Os primeiros passinhos, dentinhos, palavras, descobertas, alegrias, tristezas. Os segredos, os medos, as fofocas. Vamos rir, chorar, brigar, brincar. Ainda vamos viver muita coisa juntas.   

Você, com toda a sua pureza e ingenuidade, conseguiu demonstrar na vida real uma frase muito positiva do escritor  C. S. Lewis que li nesta semana no Instragram de uma grande amiga.




Obrigada, Helena, pelos 9 meses de parceria.

Obrigada, Helena, por me ensinar a olhar o mundo de um jeito tão positivo. 


Te amo,

Mamãe